20101213

A hipercontemporaneidade e as marcas do visível: o neocontratualismo e sua resposta à crise de representação política

Roque Callage Neto

Resumo - o presente artigo tematiza a crescente falta de representatividade da ação política neste começo de século, incluindo-se a baixa credibilidade das organizações que deveriam fundamentar esta ação, os partidos políticos. Recorre-se às recentes contribuições da escola de neocontratualistas norte-americanos e europeus, que desde os anos 80 busca reinterpretar teorias advindas do contrato social – reiterando ou ampliando a perspectiva dos clássicos, e revisitando sua contestação marxista O neocontratualismo encontra terreno fértil em uma sociedade civil crescentemente complexa, fragmentada pela crise da divisão funcional do conhecimento especializado, símbolo de toda a Segunda Revolução Industrial. A legitimação de lideranças pela representação hereditária ou meritocrática é contestada por ações privadas que avançam sobre a indeterminação da esfera pública. Aceitando o enunciado básico de liberdade e igualdade de oportunidades, os neocontratualistas irão radicalizá-lo via maior intervenção eqüitativa, ou então se oporem pelo neoliberalismo individualista. Reconhecem, mesmo em conflito, que o objetivo principal é gerar maior eficiência de representação, expressa em demandas por justiça social.
O ambiente é de profunda revolução processual civil, pois as instituições políticas tentam acompanhar velozes demandas advindas da pós-industrialização que gera novos clientes para serviços inovadores, da pós-tradicionalização que reivindica novas ações políticas e da modernização reflexiva que provoca interação diferenciada entre classes, estratos e camadas sociais em mutação



Introdução
A crise de representação política com a hipercontemporaneidade da ação
O
ambiente recente , trazendo mudanças velozes na organização da produção desterritorializada e surpreendentes alterações ao anterior equilíbrio bipolar na relação entre Estados, instiga prestigiados círculos acadêmicos dos países desenvolvidos a interpretarem estas modificações – ou desvendarem o que o famoso teórico cultural norte-americano Fredric Jameson, chama de “Marcas do Visível” (Jameson: 1990). Estas marcas a desvendar seriam as últimas relações entre o Estado e suas burocracias de atendimento à Sociedade, a interação com as burocracias privadas de classes sociais hegemônicas e o discurso cultural da Globalização como forma de integração da cidadania a um “novíssimo tipo de capitalismo quaternário de serviços”
A partir desta perspectiva, a ação social estaria submetida à emergência de cartéis de opinião que buscariam maximizar espaços crescentes de mercado, refletindo-se numa crise de legitimação da sociedade civil. Entretanto, a disseminação da informação de estereótipos culturais, ou ícones de massa a partir dos cartéis, estaria sendo atenuada e democratizada, de forma inovadora, pelo acesso crescente da cidadania às novas tecnologias de informação.Isto qualificaria as opiniões, impondo
muito maior transparência e democratização do espaço crítico do que em qualquer momento anterior. ( Jameson: 1991).
Mesmo validando esta transição hipercontemporânea2 (que destrói paradigmas de uma Modernidade que se fundamentava em grandes classes sociais para conformar a representação política a objetivos de produção – seja na sua variante liberal, seja na sua variante de Modernidade negativa marxista – a década 90/2.000 foi de grande perplexidade.

A fragmentação do discurso político com continuado desprestígio das organizações partidárias realmente demonstra que se articulam novas organizações civis que suplantam os marcos da Modernidade e da grande narrativa de conflito entre classes sociais, advinda da Segunda Revolução Industrial. Associações de interesses difusos 3 substituem, nos países desenvolvidos e com vantagens,aos partidos políticos na preferência dos cidadãos.

A adesão a partidos orgânicos de quadros já vinha sendo substituída pela adesão contingencial de massas, que incluíam volatilidade de preferências e perseguição indiscriminada aos votos pelos partidos.Esta substituição fazia do partido contingencial um ente obsessivamente voltado a temas absolutamente pontuais de oportunidade imediata sacrificando modelos de tipo ideal,alicerçado nos grandes discursos de transformação social que caracterizariam todo o século 20 até fins da década de 70.Este fenômeno já havia sido descrito notavelmente em obra clássica de Maurice Duverger (Duverger: 1970). Mas a novidade consiste em uma segunda ultrapassagem, que é contemporânea ao declínio da organização funcional de massas: agora, a organização partidária é captadora de novos votos múltiplos e virtuais, de posições flexíveis de vários estratos do espectro social. Isto afasta indeterminadamente o partido de suas bases tradicionalmente modernas, mesmo mantendo sua característica de burocracia representativa. Impondo-lhe um estilo de atendimento a uma clientela advinda de inúmeras associações civis de interesse, cujos contornos recém começam a se delinear. Teorizada como Terceira Via na Grã-Bretanha do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, ou de Novo Centro, na Alemanha do primeiro-ministro social-democrata Gerhard Schröeder, a experiência ainda aguarda testes empíricos conclusivos sobre sua eficácia como programa de ação que supere o sistema de representação baseado até então em demandas por repartição de rendimentos do trabalho social, que criaram o famoso “Estado de Bem Estar Social” de 1945 a 1980.
Visívelmente nesta década de século as alternativas se fixam em modelos pós-tradicionais, assim considerados porque se fixam na relação entre Estado e sociedade civil completamente diferentes.Procurando legitimar-se por agenciarem demandas individualizadas de reforma de contrato e de responsabilidades sociais, aspirações de liberdade e justiça de estratos sociais pós-classistas industriais, e interesses de representação de cidadania, que influenciam toda a esfera pública.

Aqui, a heurística que ampara esta atuação política se transfere da grande narrativa de classe para o individualismo metodológico, seja em sua versão neoliberal ou na marxista analítica – e ambas substituem neste momento os grandes discursos anteriores.Estes são os pólos colocados pela ação política que busca reformar estrutura e contrato sociais. A versão neo-liberal teve seu apogeu na década de 80 até 97, enquanto a marxista analítica recém iniciou sua implantação nos principais países europeus. Até então, a alternativa era o crescimento lento, porém persistente, de uma Nova Extrema Direita de grande intolerância cultural, racial e política, expressa no crescimento de líderes ultra-conservadores (exceção marcante feita à Grã-Bretanha, onde o neoliberalismo havia se imposto por longo período, desde 1979,alijando conservadores tradicionais).
Padrão, estilo de acumulação e demandas sociais diferentes
fazem emergir lideranças neo-realistas e neo-idealistas

Aumentam evidências empíricas de uma mutação definitiva em direção ao que a filósofa Agnes Heller chama de especialização pós-funcional, ou seja, os papéis na estrutura social não são mais determinados por estratificações funcionais para produzir bens primários, mas sim serviços de conveniência a uma demanda virtual, que varia por oportunidades e contingências,Isto consigna em um dos pólos em disputa, a distribuição de justiça eqüitativa. Em outro, o discurso do livre-arbítrio individualista como fonte de legitimação (Heller: 1987)

O individuo hiper-reflexivo4, é colocado como o centro da ação política. Usufrutuário de novos sistemas de divisão de trabalho, que produzem serviços de inteligência e substituem definitivamente a produção simples da manufatura, há uma proliferação de rendimentos simbólicos e imaginários na escala social de interesses advindos da tecnologia novíssima. São estratos diversificados e de prestígio, atuando em novas relações de produção não previstas classicamente. Lideranças neo-realistas se apressam, no plano político a acompanhar a realidade virtual de demandas voláteis, justificando o processo por um Estado Mínimo que apóie a concorrência e a maximização de interesses.
Outras lideranças, visualizando as convergências de tipo ideal, apóiam um Estado que atenda novas ações societárias e plurais - pois, pelo menos nos países
desenvolvidos, a distribuição de bens primários básicos é assunto resolvido em relação há um século atrás, gerando espaço público para outras controvérsias.

Quatro visões no campo teórico se candidatam a traduzir a crise de representação – verificada seja nos partidos de quadros, de massa e na própria cidadania.Uma revisitação intensa se faz às teorias do contrato social que haviam hibernado no século XIX e primeira metade deste, suplantadas pelo discurso hegemônico do Estado Estruturado por Ação de Classe.

São estes modelos: o da liberdade subordinada à responsabilidade pela equidade, como ponto de partida de um neo-democratismo social, agenciado por um Estado consentido, tal como enunciado por John Rawls ( Rawls: 1981); o de avanço neo-liberal dos agentes políticos de ação privada, proporcionado por Robert Nozik
( Nozick, 1974); o da abordagem interacionista entre expectativas sociais de justiça realizadas, porém, através de demandas e escolhas individuais, por David Gauthier
( Gauthier: 1986).

Interagindo com as anteriores, a perspectiva do marxismo analítico rediscute os pressupostos marxistas da exploração, alienação, modo estrutural de produção e luta de classes, segundo o individualismo metodológico da escola neoclássica de escolhas racionais, buscando microfundamentos da ação. Aparece em escritos de vários autores, mas principalmente em John Elster (Elster: 1989).É um passo à frente no debate que já trazia importantes contribuições do neo-marxismo estrutural de C.B.Macpherson, que tematizara o conceito de individualismo possessivo como inerente aos contratualistas ingleses do século XVII ( Macpherson: 1979)

Examinemos a hermenêutica descortinada por cada uma das quatro proposições citadas, desconsiderando aqui a já conhecida posição de Macpherson, vigorante na década de 70.
O neo-democratismo social de John Rawls: a justiça como
equidade através do contrato público

John Rawls retoma de Locke a noção de que a sociedade é uma reunião de cooperações para obter vantagens mútuas, e que a justiça social é representada por um conjunto de ajustes sociais que limitam a ação irrefreada pelo desejo generalizado de sua aplicação ( imperativo que busca em Kant).As instituições sociais favorecem pontos de partida entre os homens, e através de um contrato artificial, as diferenças podem se tornar aceitáveis.

A justiça como equidade seria um método de realizar contratos em situações originais de igualdade, dado que leva em consideração um agenciamento negociado igualitário. Pois todos se mostram propensos a legitimar um acordo elementar de restrição ao abuso de poder – problema que atormenta a própria condicionante distributiva do mercado, e o desejo de equidade atua como norma reguladora. Aqui se encontra a legitima comunicação racional de interesses. Vejamos outras peças importantes do sistema de construção racional de escolhas de Rawls:

a. a liberdade de cada um deve ser a mais extensa possível, compatível com a liberdade similar dos outros indivíduos.As desigualdades econômicas e sociais devem manter vantagens mínimas para todos.

b. a distribuição de bens não é igualitária, mas dá a todos autoridade e comando sobre seus efeitos. A injustiça, dentro deste critério, é apenas a desigualdade que não traz benefícios a todos.

c. estando os bens primários distribuídos igualmente, a partir daí as desigualdades são aceitas como legitimação das diferenças.A posição geral por justiça requer apenas que a posição de todos seja melhorada.A diferença se justifica pelo que ela realiza pelo menor, ou seja, há uma eficácia marginal do capital, nos termos keynesianos, capaz de criar desenvolvimento crescentemente distribuído.

d. a Justiça se torna processual através dos organismos do Estado, e regula a distribuição do acesso pelas expectativas diferentes geradas de posições diferentes. Sendo a racionalidade a ausência de inveja, que tenderia a piorar o crescimento de todos, o imperativo é o de desejo baseado na utilidade média de uma ação social que é maximizada pela representatividade das demandas.

Finalmente,
e. a escolha continua sendo uma tentativa de representar-se a si próprio da forma mais adequada possível, o que significa agir a partir das considerações de outro. Este tipo de ação é heterônoma por natureza, o que privilegia um tipo especial de véu de ignorância sobre as condições de real autonomia, atuando um tipo de desinteresse mutuo, que se concentra somente em atingir objetivos finais. A legislação especifica a justiça básica. Garante-se um justo procedimento de escolha entre governos, oportunidades iguais de educação e cultura, alocação eficiente de recursos, e um mínimo social, através de competição com distribuição eqüitativa.
A legitimação hiper-liberal à liberdade privada: Robert Nozik e a justiça advinda do contrato privado

Nozik se volta contra as aspectos descritivos e prescritivos da idéia rawlsiana de justiça como equidade. Resiste à intervenção governamental na distribuição dos bens, acreditando que a sociedade estará melhor servida pela maximização da ação individual que levará à melhor distribuição. Para ele, a redistribuição é um problema de caridade e não de justiça, e a sociedade protege e amplia a produtividade das pessoas, garantindo o mercado os benefícios mútuos, através de um estado “Mínimo”. A idéia de uma alienação consentida de parte do auferido na instância privada, como proposta por Rawls, seria uma intolerável injustiça, oportunizando a que os mais pobres “explorassem os mais ricos”.As vantagens diferenciais oriundas da posição original são merecidas para Nozik, pois decorrem de seus investimentos prévios em talentos e educação. O Estado não teria o direito de “furtar” dos melhor situados. Para ele, nenhuma reforma contratual é necessária, pois o egoísmo e individualismo se encarregam de proporcionar a liberdade, dentro do marco de desigualdade de talentos.De Locke, Nozik vai buscar a legitimação liberal da propriedade através do trabalho.
Interacionismo entre
intervenção e ação individual: o contrato social de David Gauthier

David Gauthier introduz novos elementos à questão: o liberalismo conjuga preocupação de cada um com limitação da esfera de cada escolha (social ou privada).A liberdade de cada um necessita de constrangimento para ser assegurada, como a proteção e ampliação de benefícios, pois ninguém ganha com o advento de uma ordem iníqua. Isto funciona para provimento de bens públicos - como educação, saúde, segurança, mas nunca para bens privados.A provisão de bens privados deve ser agenciada pelo mercado onde os árbitros são os atores individuais reunidos, não o Estado. A liberdade deve ser máxima dentro dos ganhos de alguém que näo prejudique os ganhos do outro, e o benefício obtido pela transação seria o mínimo maior do que a expectativa de atuar isoladamente – pois a vantagem mútua na cooperação é muito maior do que na atuação isolada.Os beneficiários “parasitas” habituais de um processo estatal de regulação de riquezas, que nada tenham contribuído, ficam assim, interditados.Pois o Estado atua no sentido de proteger a realização dos contratos individuais. Os ganhos são decrescentemente relativos, uma vez que abandono da maximização completa é necessária para a continuidade do processo de acumulação.

A teoria dos jogos cooperativos se erige em máxima de Gauthier, proporcionando um ganho mínimo-máximo relativo, obtido por um excedente cooperativo no próprio processo de competição individual – excedente este que se viabilizaria pela natural propensão dos indivíduos a abrirem mão de parte de seus ganhos a um fundo cooperativo informal, dado que pensam em si próprios e na sua sobrevivência dentro do jogo.


John Elster e a reformulação do conceito de exploração: o marxismo das escolhas
racionais

John Eslter, em posição que também é a dos filósofos Adam Prezeworki e John Roemer
( Prezeworki:1988; Roemer: 1989), procura identificar escolhas racionais na relação existente dentro da exploração capitalista. Estas escolhas estariam dadas de forma muito diferente das concebidas originalmente pelo marxismo estrutural, dado que os trabalhadores podem recusar emprego, ou adotar formas cooperativas de emprego, sustentando seu projeto de acumulação diferencial independente das formas tradicionais de contratação de trabalho.Ao mesmo tempo, mostra Eslter, há liberdade para abandono da condição operária, o que pressupõe que o conceito de exploração necessita ser reformulado.

A exploração traduz-se na desigualdade de acesso a recursos e não em um tipo específico de relação capital-trabalho.O valor de uso é a forma mais definida da exploração, e não há necessariamente inversão por valores de troca onde os agentes de trabalho estariam incluídos na significação da mercadoria.Há situações de mercado em que ambas as partes se beneficiam da exploração em mercados competitivos iguais.

A divisão entre classes pode surgir endogenamente de intercâmbios de mercado, tratando-se aí de refazer os termos de intercâmbio contratando-se diferentemente. Um agente maximiza seu rendimento dentro dos limites expostos à jornada, o que é uma verdade empiricamente demonstrável. Porém, a teoria de exploração do valor trabalho não observa que decisões individuais podem ser utilizadas de forma interdependente, modificando o perfil e o sentido da representação classista.
Há, então, os fatores estruturais que Elster não negligencia.Porém, há também a presença da ação que modifica partes da estrutura, dado que o tempo estruturado da ação não é o prescrito na teoria original, que impunha situações de renda diferencial ampliada.O contrato supre com a necessidade de recuperar outras dimensões de tempo.O sindicato é um agente que pode desempenhar outros papéis para os trabalhadores, que não apenas os prescritos pela situação capitalista formal de defender a partilha da exploração que forma apropriação excludente de taxa diferencial.

Podem inclusive abrir empresas, e se não o fazem é pela concorrência imperfeita desleal da empresa capitalista.Garantir as condições de atuação do mercado através de pactos arbitrados pela presença de associações mediadas pelo Estado é garantir as condições de exercício da democracia. As condições de competição, entretanto, não são pressupostas por um contrato do indivíduo atomístico e egoísta, mas ao contrário. Há diálogo ativo entre o marxismo analítico de Elster e o neocontratualismo eqüitativo de Rawls, pois ambos contribuem bastante para o que se reinvidica ser “a nova esquerda do espectro europeu” .A teoria dos excedentes cooperativos de Gauthier completa a construção do tipo ideal.

Ações sociais em estruturas flexíveis de incertezas e riscos: Anthony Giddens e o Espaço Social como Espaço de Justiça
É exatamente na antinomia inconclusa dos neocontratualistas, que as controvérsias começam efetivamente a ganhar as marcas do visível - a evidência empírica como plano de ação, que ocorre precisamente neste momento no cenário europeu. Sob um contrato que modela a Europa gradativamente em Confederação Política de 15 Nações, novas experiências de Governo vêm sendo chanceladas pelos eleitores, passado o período de clímax neoliberal. Sucessivamente, desde 1997, 13 países passaram o Governo a partidos políticos que implantaram um novo contrato social-democrata, ou modelos experimentais de regulação.
Este processo começa sugestivamente pela própria Grã-Bretanha em experiências de shadow cabinet, ou governos de gabinete fantasma , quando os trabalhistas britânicos amargaram três sucessivas derrotas para Margareth Tatcher que testava, exatamente, as hipóteses de Robert Nozick. Novas e ousadas hipóteses foram sendo formuladas em um cenário de incerteza, dentre elas a ultra-influente proposição de Anthony Giddens em forma de “Terceira Via”. (Giddens: 1994).

O que nos diz, basicamente, Giddens, sociólogo, diretor da London School of Economics e assessor político do primeiro-ministro Anthony Blair? Que a realidade de um mundo em globalização não apenas fragmenta ações sociais, mas também é capaz de unir à distância visões pessoais e locais. O ambiente é de modernização reflexiva, porque as oposições tradicionais entre Capital e Trabalho representaram momentos de Modernidade Simples, geradores de securitizações contra perdas de consumo, ou compensações. Que se torna possível uma ultrapassagem das políticas compensatórias pela radicalização dos espaços sociais gerados pelos operadores de diversas qualificações e estratos, cooperados pela sociedade da informação automatizada pós-industrial. Entidades de auto-ajuda enfatizam a responsabilidade individual que se transforma em responsabilidade social.

Cumprem funções civis maiores do que os partidos, demandando novas realidades processuais, pois a cidadania recusa o modo de acumulação baseado na reposição tradicional de consumo de manufaturados. A descentralização das Corporações seria o prenúncio (corroborando Gauthier), de federações de negócios geridos terceirizada e combinadamente, em ação conjunta com o espaço público, visando novas clientelas. Aí radica grande parte do conceito de “partnership” (parceria) com o setor privado, de Tony Blair.
Conceitos de Esquerda e Direita não acabaram, apressa-se Giddens em ressaltar. Mas dentro de uma sociedade de risco, onde se trocou a securitização perdulária do consumo pela incerteza manufaturada da produção artificial, a união de classes aparentemente opostas pelo redirecionamento do investimento social é não só possível – é viável. Ao Estado cabe agenciar políticas que gerem uma eficiência cívica maior por coalizões imprevistas entre conservadores, ecologistas e radicais democratas formando o espaço dialógico de centro-esquerda.

Os neoliberais responsáveis pela destruição dos serviços de sociabilidade não têm vez neste pacto, assevera Giddens, pois é contra eles que a sociedade se uniu no fim de século. A reforma do Estado Previdenciário de Repartição Simples de Rendimentos, para Estado Gerativo de Convergências de Investimento, enfatiza um modelo de ação política já não baseado na Democracia Representativa do contrato liberal, mas na Democracia Deliberativa do usufruto dos serviços pós-industriais em programas de ação que reformam a Educação Universal de Qualidade para além das classes sociais em disputa de repartição. A sociedade civil reformada assume o comando das deliberações, e o Estado agencia as políticas de troca social, que modernizem reflexivamente o mercado de utilidades. A Democracia Deliberativa se impõe pelo recurso processual à Justiça, que une movimentos sociais.Há outras considerações, onde Giddens se preocupa mais em alinhar um conjunto de evidências do que elencar programas de ação, inclusive porque há diferenças consideráveis no campo empírico-processual entre ele e Tony Blair.

Os sinais bastante precisos deste enfoque diferente se traduziram por uma tentativa britânica, via Blair, em assumir junto com os Estados Unidos, a hegemonia do Estado Quaternário de Serviços (Jameson:op.cit) no período de Bill Clinton como presidente norte-americano. E com significativas diferenças em relação ao modelo francês. Ainda durante o período de vitórias nas urnas, de 1977 a 2002, os socialistas franceses atribuíam um papel de representação menos ausente ao Estado, como o executor do aumento de competências estratégicas da Sociedade - através da ação do que Lionel Jospin, primeiro-ministro, chamava de “esquerda plural”. Esta política efetivamente se traduziu em queda do índice de desemprego, ampliando um setor de serviços de sociabilidade altamente eficaz, como atendimento qualificado e não tradicional a idosos de todas as classes sociais (que na França constituem grande parcela da população, e que não foram mais vistos mais como “estoque de experiências ultrapassadas”.Na coabitação com os socialistas, Jacques Chirac, presidente, chamou o processo de “sociedade de alta tecnologia com proteção social”.

Conclusão
Um contrato social de novo tipo, parafraseando Giddens, não é somente viável. Ele já se encontra em andamento, através de versões diferenciadas, em nações da União Européia, notoriamente as sociedades politicamente mais desenvolvidas do Ocidente. Verifica-se, do tema neocontratual, que as posições dos jogadores só são eficazes de novo arranjo cívico, quando se inserem em quadro histórico-antropológico de referência – ao invés de uma inferência hipotética segundo categorias atemporais intentada por John Rawls.É o que nos mostra Giddens, sociologizando etapas culturais que retornam estruturas históricas valorizando a ação social dos indivíduos.

Há vários pontos pouco claros quanto à geração de sobrevalor financeiro, representado em um sistema bancário e bursátil demasiado pluralista efetivamente ultrapassado, que ainda se constitui como sociedade de risco. Também se é pouco preciso em relação ao papel de formação de renda diferencial dissociativa que impõe monopólios econômicos – e como seria feita esta ultrapassagem, dentro dos próprios marcos do mercado social. Embora implícita sua crítica à teoria dos Poderes do Estado de Montesquieu, os neocontratualistas são pouco claros sobre que poderes seriam efetivamente necessários para andamento democrático do recurso processual civil. Diferenças que se apresentaram claramente entre trabalhistas ingleses e sociais-democratas alemães, de um lado; e socialistas franceses e nova esquerda italiana, de outro. Até o momento apontando vantagens claras para a primeira tendência, que confirmou vitória nas eleições em seus respectivos países. Mas ainda existem dúvidas sobre qual a ênfase de ação política que se traduzirá em um programa eficiente de convergências cívicas.

Por fim, qual a sociedade quaternária representativa que realmente poderá substituir a modernidade liberal.

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